O cerco do governo aos produtos importados suspeitos de práticas desleais de competição, cada vez mais intenso no governo Dilma Rousseff, ganhará um reforço a partir do mês que vem.
Para agilizar a análise das reclamações crescentes da indústria nacional, a equipe do governo ganhará 90 investigadores de defesa comercial a partir de março. Eles se somarão aos 30 técnicos atuais.
O país já é líder na abertura de processos antidumping e foi apontado como um dos principais responsáveis pelo crescimento dos casos globais no último relatório da OMC (Organização Mundial do Comércio), de 2012.
Antidumping é o nome da medida de proteção a setores produtivos afetados quando um item chega a um país por um preço inferior ao valor normal praticado em seu mercado de origem.
Um exemplo de investigação recente é o caso dos talheres chineses. O valor normal encontrado par o produto era de US$ 26,3 o quilo, mas, no Brasil, os chineses cobravam US$ 6,6. Após reclamação da indústria nacional, o talher estrangeiro paga tarifa de US$ 19,7 o quilo.
O aperto do governo não se restringe à chegada de servidores. Um novo marco regulatório de defesa comercial está praticamente pronto e deve ser publicado em breve.
A principal mudança é o encurtamento no prazo das etapas, para reduzir o período de investigação dos processos de 15 para dez meses.
Também passará a ser compulsória uma avaliação preliminar que, em caso positivo, permite que o setor afetado receba proteção provisória -com aplicação de sobrepreço- antes mesmo do encerramento do processo.
Usada em poucos casos hoje, essa avaliação preliminar deverá ser feita em até quatro meses, ante os nove atuais.
Urgência
"Uma medida de defesa, quando cabível, é urgente. A indústria está sendo prejudicada em razão de algo desleal e não convém que o prejuízo se agrave devido à demora", diz a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres.
O novo marco esclarece um outro benefício, o direito retroativo, que, segundo a secretária, nunca chegou a ser usado, embora seja previsto de maneira genérica.
Como o instrumento prevê cobertura para três meses antes da concessão do direito provisório, deixa apenas um mês de todo o processo sem benefício algum.
Embora enfatize que o principal objetivo do reforço é a redução dos prazos, Prazeres admite uma provável elevação de abertura de processos como resultado da maior agilidade no trâmite.
Com quadro maior de servidores, diz, será possível dedicar mais tempo a outras tarefas, como a fiscalização de irregularidades no cumprimento das medidas.
Outra justificativa para o reforço é a complexidade dos casos. Em um processo, por exemplo, havia 1.650 partes interessadas e em outro eram mais de 30 mil páginas.
Os processos abrangem produtos que vão do alho a armações de óculos, passando por matéria-prima para a produção nacional.
Em 2012, o Brasil abriu 63 processos, o maior número da história, reflexo dos 105 pedidos entregues em 2011. Os setores siderúrgico e químico lideraram.
Analistas alertam para 'risco protecionista'
Especialistas do setor alertam para os riscos de o novo reforço contribuir para as acusações internacionais de uma escalada protecionista no Brasil e acabar pesando contra o setor produtivo nacional e os consumidores.
As críticas sobre protecionismo do governo ganharam força após medidas como a elevação dos impostos para carros importados em 2011 e para outros cem produtos no ano passado.
"Esse processo [reforço na área] não pode levar a uma exacerbação do protecionismo brasileiro", afirma o coordenador do curso de Relações Internacionais da Faap, Marcus Vinicius de Freitas.
Segundo ele, o resultado pode ser um atraso tecnológico e de custos ao país.
Para José Luiz Rossi, professor do Insper, a iniciativa sinaliza um incentivo à indústria para buscar os recursos.
As medidas antidumping, diz, acabam encarecendo insumos usados na produção nacional."Esse tipo de política piora a produtividade da indústria e vai ter efeitos nocivos no crescimento no médio e no longo prazo", afirma.
O governo rebate as críticas ao destacar os critérios rígidos na avaliação dos pedidos antes da abertura de um processo.
"A aplicação de medidas está prevista na OMC e não é considerada algo protecionista. Temos muita tranquilidade", afirma a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres.
(GB)
Análise
Atritos comerciais ganharam espaço após o início da crise mundial
José Francisco de Lima Gonçalves
Especial para a Folha
A Organização Mundial do Comércio emergiu do Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), filho das preocupações que criaram o FMI e o Banco Mundial.
O balanço da Segunda Guerra resultou em iniciativas para corrigir erros cometidos de 1870 a 1945, erros de avaliação dos limites humanos e de incompreensão do funcionamento da economia.
Tratava-se de criar regras para as relações econômicas entre os países que aderissem a acordos, buscando combinar soberania e cooperação. O comércio foi, desde sempre, a base das relações econômicas internacionais. Mesmo num mundo dominado pelas finanças, responde por enorme porção de atividade, emprego e desenvolvimento.
O comércio internacional potencializa as capacidades dos parceiros e gera mais riqueza. Mas, dependendo das circunstâncias, se torna uma arma: os poderes econômico e político podem levar a situações de deterioração das relações humanas.
A crise de 2008 amplificou os espaços para atritos comerciais. De um lado, a queda na atividade cria capacidade ociosa entre os países. A busca da "exportação" dessa capacidade leva a conflitos. Como promover o entendimento refletido na OMC? De outro lado, o comércio pode ser poderosa alavanca na superação da recessão que a crise criou. A cooperação nunca foi tão importante: pequenas concessões podem fazer a recuperação geral.
O Brasil é um dos países mais atuantes nas disputas comerciais. Seu papel na OMC tem se destacado, tanto na ampliação de quadros técnicos no governo como na atitude atuante dos produtores nacionais.
Existem hoje 69 investigações em curso, de exportações à produção doméstica de práticas desleais nas importações. São 88 medidas em vigor. Ao defender a economia dentro dos limites legais dos acordos internacionais, o governo faz, independentemente de outras iniciativas, o que dele se espera.
José Francisco de Lima Gonçalves é professor da FEA/USP e economista-chefe do Banco Fator
Fonte: Folha de S.Paulo / por Fenacon
Escrito por: Gabriel Baldocchi
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