Uma norma publicada ontem pela Receita Federal poderá trazer uma
série de complicações e mesmo autuações para empresas que usaram as normas
contábeis internacionais (IFRS) para o cálculo de impostos. Como não há lei e
não existia orientação clara do Fisco sobre o assunto, as empresas passaram a
aplicar as normas contábeis para situações que pudessem resultar em economia
fiscal. Com a nova orientação, a Receita passa a vedar o uso do IFRS, em vigor
desde 2008, para o cálculo de dividendos e juros sobre o capital próprio, por
exemplo. Segundo advogados, algumas empresas já estudam entrar na Justiça para
evitar possíveis autuações da Receita.
Os detalhes sobre o tema estão na Instrução
Normativa nº 1.397. A orientação sai quatro anos e três meses após a criação do
Regime Tributário de Transição (RTT), instituído em 2009, justamente para
neutralizar prováveis impactos fiscais em razão da adoção pelo Brasil das normas
internacionais.
A instrução deixa claro que as empresas devem
considerar os critérios anteriores à vigência do IFRS para que não tenham os
dividendos, recebidos de outras companhias, tributados. Nesse caso, a Receita
definiu que a exclusão de tais receitas deve se basear nos métodos e critérios
contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, antes do RTT. O mesmo procedimento
deverá ser aplicado à tributação dos juros sobre capital próprio.
“Há empresas que usavam os novos critérios
contábeis, por receio de serem autuadas, e acabaram pagando mais impostos do que
deviam”, diz Luciano Nutti, da Athros ASPR Auditoria e Consultoria.
Por outro lado, há companhias que já procuram
escritórios de advocacia porque passarão a ser mais tributadas com a nova
orientação da Receita. Para Diego Aubin Miguita, do escritório Vaz, Barreto,
Shingaki & Oioli Advogados, sobre o reconhecimento da despesa de juros sobre
capital próprio ou dividendos, a nova IN não teria base legal e violaria o
princípio da legalidade, além de contraria o Código Tributário Nacional (CTN).
“Há clientes estudando ingressar com medida judicial para que possam pagar ou
creditar esses valores com base no patrimônio líquido e lucro contábil apurados
de acordo com os novos métodos e critérios contábeis”, afirma Miguita.
Em relação aos juros sobre o capital próprio, o
advogado Edison Fernandes, do Fernandes Figueiredo Advogados, diz que o Fisco
deixa claro que aplicará a todos os contribuintes o que havia decidido por meio
da Solução de Consulta nº 106: o patrimônio líquido a ser utilizado para o
cálculo da dedutibilidade é o apurado com base na “contabilidade fiscal”.
“Entretanto, isso contraria o texto da Lei nº 11.941 [que institui o RTT], que
manda excluir a conta de Ajuste de Avaliação Patrimonial (AAP), o que só existe
no IFRS”, afirma. Segundo ele, nesse sentido, a IN passa a ser a base normativa
para a fiscalização e autuação dos valores pagos a título de juros sobre capital
próprio desde 2008.
Quanto aos dividendos, a instrução incorpora a
decisão do Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) nº 202,
deste ano. Com isso, os dividendos poderão ser tributados, desde que superiores
ao lucro fiscal obtido com a aplicação do RTT. “O beneficiário pessoa física
será tributado pela tabela progressiva. O beneficiário pessoa jurídica pela
inclusão na base de cálculo de IRPJ e CSLL. O beneficiário estrangeiro pelo IR
na Fonte de 15%, e o beneficiário em paraíso fiscal pelo IR na Fonte de 25%”,
diz Fernandes.
Dessa maneira, haveria base para fiscalização e
autuação dos valores pagos a título de dividendos desde 2008. “As empresas devem
se preparar, inclusive pensando em medidas judiciais. Agora os auditores fiscais
estão com fundamento normativo para lavrar auto de infração sobre a diferença de
dividendos”, afirma Fernandes.
A Receita Federal, por meio de nota, afirma que o
RTT determina que para fins tributários devem ser considerados os critérios
contábeis de 2007 e essa diferença faz com que existam duas contabilidades: uma
societária, com os novos critérios contábeis, e outra para fins fiscais, com os
critérios de 2007. “Essa diferença tem provocado dúvidas na aplicação do RTT. A
IN 1.397 visa esclarecer essas dúvidas”, diz na nota.
Apesar da IN não tratar de ágio, sinaliza
mudanças na interpretação do Fisco sobre o seu valor. Obtido nas operações de
reestruturação societária das empresas, o ágio é o valor pago pela rentabilidade
futura da companhia adquirida usado pelas empresas para abater do IR e CSLL a
pagar.
Segundo Fernandes, ao estabelecer que a empresa
deve considerar o patrimônio líquido da investida, sem a aplicação do IFRS
[normas contábeis internacionais] na avaliação do investimento, a IN causa
impacto no valor reconhecido como ágio. “O impacto fiscal depende de cada caso.
Pode ser para mais ou para menos”, diz.
O que também pode afetar as reestruturações
societárias é o fato de a nova norma deixar expresso que o RTT abrange a empresa
investida – controlada ou coligada -, no Brasil ou no exterior. “Assim, se a
empresa investida estiver fora do país, o RTT será aplicado a ela somente para
fins tributários. Isso terá impacto na tributação quando o lucro gerado no
exterior for registrado no balanço da empresa investidora no Brasil”, afirma o
advogado. Sobre esse valor, também deverão ser aplicados os critérios de 2007
para fins fiscais.
Há dúvidas entre especialistas se a Receita
entenderá que as determinações referentes a dividendos e juros sobre o capital
próprio vão valer a partir de 2014, ou se incluem também o período de 2008 a
2013, o que pode abrir espaço para questionamentos legais. “Se for daqui para
frente será uma evolução, porque resolverá uma dúvida das empresas. Caso
contrário, será um retrocesso”, diz o professor de contabilidade Eliseu Martins,
da FEA-USP. (Colaborou Fernando Torres)
Fonte: Valor Econômico
Por Laura Ignacio | De São Paulo
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